sexta-feira, 14 de março de 2014

Filosofia: sua inevitabilidade e importância de estudá-la

Estátua de Sócrates
Há, atualmente, no Brasil, um estereótipo da filosofia em que ela é encarada como uma atividade de divagações mirabolantes e exóticas, muitas vezes “sem sentido”, que só algumas pessoas, similarmente “exóticas”, executam. Essa ideia do senso comum não poderia estar mais equivocada. Uma vez que se compreende do que realmente consiste a filosofia, bem como seu papel na vida humana, percebe-se imediatamente a sua inevitabilidade. Questões cotidianas como “o que é justiça?”, “qual o sentido da vida?” ou “o que é certo e errado?” são todas questões intrinsecamente filosóficas. Tendo isso em mente, é razoável dizer que, ao se engajar em discussões acerca dessas questões exemplificadas, invariavelmente se está engajando em uma atividade filosófica.

E é pensando nisso que vou adiante para defender a importância do estudo da filosofia. Pois bem, se a filosofia é uma inevitabilidade, isso significa dizer que as pessoas, mesmo que inconscientemente, ao discutir determinados temas estão partindo de pressupostos filosóficos. Até mesmo uma frase aparentemente isenta como “política não se discute” está carregada de pressuposições filosóficas – pois se “política não se discute”, é porque há alguma razão, mesmo que implícita, para tal (talvez porque se pense que “tudo depende de ponto de vista”, que se trata nada menos do que uma postura filosófica relativista/subjetivista sobre o que consiste posicionamentos políticos). Nesse contexto, qual é, então, o papel crucial do estudo da filosofia? Por que seria importante estudar filosofia, já que discussões cotidianas já são em si de fundo filosófico? Vou responder ambas as perguntas em duas partes (todas as duas respondem diretamente as duas perguntas de vez), pois me parece mais didático dessa maneira. Mas antes disso tenho que clarificar uma coisa: quando digo “estudar filosofia”, não estou querendo dizer estudar apenas a história da filosofia e conhecer os pensadores mais influentes dessa história o que eles pensavam. Quando falo em estudar, quero principalmente me referir à atividade de compreender os problemas da filosofia e exercitar a análise crítica* própria acerca desses problemas – ou seja, exercitar a capacidade de refletir e questionar tais problemas de maneira autônoma. Feito esse esclarecimento, vamos aos pontos-resposta das perguntas aqui levantadas:

1)  Apesar de temas cotidianos, como o que seria justo em determinada situação, possuírem uma natureza essencialmente filosófica, a maneira como se trata esses temas pelas pessoas envolvidas na discussão pode não ser adequada. O que quero dizer com isso é que, sem uma noção de como se analisar apropriadamente um problema, há uma grande chance de se incorrer em “vícios” de pensamento, como, por exemplo, dizer que X é correto só porque alguma autoridade assim o disse. Ainda que tal autoridade esteja correta, não saberemos exatamente porque ela está correta, pois abdicamos de compreender as razões que levaram tal autoridade a concluir em favor de X – afinal, a autoridade não pode estar certa apenas por ser autoridade, e isso fica claro uma vez que pensamos que para cada autoridade que se pronuncia em favor de X pode haver uma autoridade que sai em favor de Y, e então existe aí um impasse que só pode resolvido se nos utilizarmos de critérios para poder resolver se o correto é afinal X ou Y.

A autonomia do pensamento crítico (numa definição rápida, pensamento crítico se caracteriza como uma posição de questionamento e de análise reflexiva das justificativas fornecidas para que determinado argumento seja aceito), é, portanto, fundamental para que possamos analisar por conta própria o que sustenta um argumento ou outro e assim decidirmos qual argumento escolhemos e, mais importante, porque escolhemos um em detrimento de outros.

2)  O estudo crítico da filosofia permite que nos demos conta de que questões fundamentais da humanidade podem ser abordadas, e até mesmo eventualmente respondidas, através de um rigor reflexivo proporcionado pelo nosso próprio raciocínio. Sendo assim, conseguimos nos livrar de uma postura obscurantista e dogmática dos mais variados aspectos da vida humana, e da realidade como um todo, e passamos a nos entregar ativamente à tentativa não-conformista de compreender, através da nossa própria capacidade crítica, os mais profundos problemas que sempre despertaram a curiosidade dos seres humanos, e que em grande parte podem dar um maior significado à nossa existência.

Resumindo: o estudo apropriado da filosofia, se utilizando das ferramentas de um raciocínio rigoroso, faz com que encaremos discussões sobre os mais variados temas, dos mais cotidianos até os mais especializados, com maior profundidade, sem nos deixar levar por vícios de pensamento que, infelizmente, são recorrentes em opiniões de senso comum – e isso vale até mesmo quando o senso comum está correto, pois só através de uma análise crítica dos argumentos do senso comum poderemos saber exatamente o porquê de esses argumentos estarem de fato corretos.

O estudo da filosofia é, portanto, uma importante postura de inconformidade frente à aceitação acrítica de respostas prontas, prezando pelo compromisso de enriquecer nossa própria capacidade crítica de analisar as mais variadas questões fundamentais da humanidade.



* Pode se perguntar o porquê de a análise crítica ser condição necessária para análises filosóficas apropriadas, e essa é uma pergunta relevante e que vale a pena ser respondida. No entanto, para não sair do objetivo primário do texto, decidi por não apresentar minha justificativa do porquê o pensamento crítico ser indispensável para análises filosóficas. Possivelmente tratarei desse tema em particular em algum texto futuro.