Estátua de Sócrates |
Há, atualmente, no Brasil, um
estereótipo da filosofia em que ela é encarada como uma atividade de divagações
mirabolantes e exóticas, muitas vezes “sem sentido”, que só algumas pessoas,
similarmente “exóticas”, executam. Essa ideia do senso comum não poderia estar
mais equivocada. Uma vez que se compreende do que realmente consiste a
filosofia, bem como seu papel na vida humana, percebe-se imediatamente a sua
inevitabilidade. Questões cotidianas como “o que é justiça?”, “qual o sentido
da vida?” ou “o que é certo e errado?” são todas questões intrinsecamente
filosóficas. Tendo isso em mente, é razoável dizer que, ao se engajar em
discussões acerca dessas questões exemplificadas, invariavelmente se está engajando
em uma atividade filosófica.
E é pensando nisso que vou
adiante para defender a importância do estudo da filosofia. Pois bem, se a
filosofia é uma inevitabilidade, isso significa dizer que as pessoas, mesmo que
inconscientemente, ao discutir determinados temas estão partindo de
pressupostos filosóficos. Até mesmo uma frase aparentemente isenta como
“política não se discute” está carregada de pressuposições filosóficas – pois
se “política não se discute”, é porque há alguma razão, mesmo que implícita,
para tal (talvez porque se pense que “tudo depende de ponto de vista”, que se
trata nada menos do que uma postura filosófica relativista/subjetivista sobre o
que consiste posicionamentos políticos). Nesse contexto, qual é, então, o papel
crucial do estudo da filosofia? Por que seria importante estudar filosofia, já
que discussões cotidianas já são em si de fundo filosófico? Vou responder ambas
as perguntas em duas partes (todas as duas respondem diretamente as duas
perguntas de vez), pois me parece mais didático dessa maneira. Mas antes disso
tenho que clarificar uma coisa: quando digo “estudar filosofia”, não estou
querendo dizer estudar apenas a história da filosofia e conhecer os pensadores
mais influentes dessa história o que eles pensavam. Quando falo em estudar,
quero principalmente me referir à atividade de compreender os problemas da filosofia
e exercitar a análise crítica* própria acerca desses problemas – ou seja,
exercitar a capacidade de refletir e questionar tais problemas de maneira autônoma.
Feito esse esclarecimento, vamos aos pontos-resposta das perguntas aqui
levantadas:
1) Apesar de temas cotidianos, como o que seria justo em
determinada situação, possuírem uma natureza essencialmente filosófica, a
maneira como se trata esses temas pelas pessoas envolvidas na discussão pode não
ser adequada. O que quero dizer com isso é que, sem uma noção de como se
analisar apropriadamente um problema, há uma grande chance de se incorrer em “vícios”
de pensamento, como, por exemplo, dizer que X é correto só porque alguma
autoridade assim o disse. Ainda que tal autoridade esteja correta, não saberemos
exatamente porque ela está correta, pois abdicamos de compreender as razões que
levaram tal autoridade a concluir em favor de X – afinal, a autoridade não pode
estar certa apenas por ser
autoridade, e isso fica claro uma vez que pensamos que para cada autoridade que
se pronuncia em favor de X pode haver uma autoridade que sai em favor de Y, e
então existe aí um impasse que só pode resolvido se nos utilizarmos de critérios
para poder resolver se o correto é afinal X ou Y.
A autonomia do
pensamento crítico (numa definição rápida, pensamento crítico se caracteriza
como uma posição de questionamento e de análise reflexiva das justificativas
fornecidas para que determinado argumento seja aceito), é, portanto,
fundamental para que possamos analisar por conta própria o que sustenta um
argumento ou outro e assim decidirmos qual argumento escolhemos e, mais
importante, porque escolhemos um em
detrimento de outros.
2) O estudo crítico da filosofia permite que nos demos
conta de que questões fundamentais da
humanidade podem ser abordadas, e até mesmo eventualmente respondidas, através
de um rigor reflexivo proporcionado pelo nosso próprio raciocínio. Sendo assim,
conseguimos nos livrar de uma postura obscurantista e dogmática dos mais
variados aspectos da vida humana, e da realidade como um todo, e passamos a nos
entregar ativamente à tentativa não-conformista de compreender, através
da nossa própria capacidade crítica, os mais profundos problemas que sempre
despertaram a curiosidade dos seres humanos, e que em grande parte podem dar um
maior significado à nossa existência.
Resumindo: o estudo apropriado da
filosofia, se utilizando das ferramentas de um raciocínio rigoroso, faz com que
encaremos discussões sobre os mais variados temas, dos mais cotidianos até os mais especializados, com maior profundidade, sem nos deixar levar por vícios de pensamento que, infelizmente, são recorrentes em opiniões de senso
comum – e isso vale até mesmo quando o senso comum está correto, pois só através
de uma análise crítica dos argumentos do senso comum poderemos saber exatamente
o porquê de esses argumentos estarem de fato corretos.
O estudo da filosofia é,
portanto, uma importante postura de inconformidade frente à aceitação acrítica de respostas prontas,
prezando pelo compromisso de enriquecer nossa própria capacidade crítica de
analisar as mais variadas questões fundamentais da humanidade.
* Pode se perguntar o porquê de a
análise crítica ser condição necessária para análises filosóficas apropriadas,
e essa é uma pergunta relevante e que vale a pena ser respondida. No entanto,
para não sair do objetivo primário do texto, decidi por não apresentar minha
justificativa do porquê o pensamento crítico ser indispensável para análises
filosóficas. Possivelmente tratarei desse tema em particular em algum texto
futuro.